UNCME DIVULGA NOTA EM DEFESA DA INCLUSÃO.

UNCME

NOTA PÚBLICA No 003/2020

DA UNCME EM DEFESA DA INCLUSÃO E

PELAS GARANTIAS LEGAIS DEMOCRATICAMENTE CONSTRUÍDAS

A União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação – UNCME, entidade que representa em nível nacional os Conselhos Municipais de Educação, presente em todos os Estados Brasileiros, cuja atuação está pautada nos princípios da universalização do direito à educação, da gestão democrática da política educacional e da inclusão social, em nome da defesa do direito à educação para todos (as), conforme previsto na Constituição Federal de 1988, vem a público, manifestar-se de forma veemente contra o Decreto n° 10.502/2020, publicado em 01/10/2020 pelo Governo Federal, e ao mesmo tempo, orientar os Conselhos Municipais de Educação do Brasil, que como órgãos de Estado, devem estar atentos e atuantes na defesa de que todas as crianças, adolescentes e adultos tenham o direito de conviver em sociedade em igualdade de condições, considerando que o papel fundamental da escola é incluir e contribuir com formação dos cidadãos para que compreendam as diferenças e respeitem as singularidades humanas.

Nestes termos, com base nas orientações legais vigentes, em especial a Constituição Federal de 1988 e normas específicas relacionadas que seguem, define-se a necessidade de que a oferta da Educação Básica, bem como uma Política Nacional de Educação Inclusiva, deve ser definida, orientada e garantida a partir das seguintes premissas legais, sem prejuízos de outras, correlatas:

CONSIDERANDO o Art. 6o da Constituição Federal de 1988, que revela os direitos sociais fundamentais aos cidadãos;

CONSIDERANDO o caput do Art. 205, da Constituição Federal de 1988, que defende que a Educação é dever do Estado e da Família;

CONSIDERANDO o Inciso I e III, bem como o §1o do Art. 208, da Constituição Federal de 1988, que disciplina a obrigatoriedade da Educação Básica, inclusive de forma gratuita para todos, a garantia do atendimento educacional especializado aos educandos com deficiência, sobretudo na rede regular de ensino e que o acesso ao ensino obrigatório é direito público subjetivo;CONSIDERANDO o Art. 227, da Constituição Federal de 1988, o qual preceitua do dever de educar;

CONSIDERANDO o Art. 4o, sobremaneira em seu §Único, alínea ‘c’ da Lei Federal no. 8.069/1990 que determina o dever de toda e qualquer pessoa zelar pelo bem-estar e pelo respeito aos direitos de crianças e adolescentes, independente de serem pessoas com deficiência ou não;

CONSIDERANDO o caput do Art. 53 da Lei Federal no. 8.069/1990, que reconhece o direito à Educação visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, permeando os aspectos formativos ao exercício da cidadania e qualificação para o trabalho;

CONSIDERANDO o que determina o Art. 54, em seu Inciso III e §1o da Lei Federal no. 8.069/1990, que endossa o dever constitucional do Estado em assegurar aos educandos com deficiência o atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino e a garantia do acesso ao ensino obrigatório, gratuito reconhecido CONSIDERANDO o caput do Art. 5o, da Lei Federal no. 9.394/1996, que determina que o acesso à Educação Básica é direito público subjetivo;

CONSIDERANDO o Art. 1o, da Lei Federal no. 9.394/1996 que revela que a Educação concatena os processos formativos do sujeito;

CONSIDERANDO o Art. 58, da Lei Federal no. 9.394/1996, que conceitua a Educação Especial como modalidade da Educação Básica;

CONSIDERANDO o Art. 59, da Lei Federal no. 9.394/1996, que revela a responsabilidade dos sistemas de ensino quanto à oferta da Educação Básica aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação;CONSIDERANDO o Art. 60 e seu §Único, da Lei Federal no. 9.394/1996, no tocante às responsabilidades dos órgãos normativos dos sistemas de ensino;

CONSIDERANDO o que disciplina a Lei Federal no. 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista;

CONSIDERANDO o disposto na Lei 13.005/2014, que dispõe sobre o Plano Nacional de Educação, CONSIDERANDO o que os termos da Lei Federal no. 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a saber, o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

O Decreto Presidencial representa um retrocesso significativo da luta pela inclusão e diversidade, representando o retorno a um paradigma antigo e já extremamente ultrapassado, ficando evidente a segregação de estudantes em classes e escolas especiais, estimulando o preconceito e a exclusão dos estudantes com deficiência, ferindo o princípio constitucional da igualdade e equidade.

Destaque-se ainda que a meta de no 4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e a Constituição Brasileira, assim como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que no Brasil tem status constitucional, estabelecem que deve ser dada preferência para um sistema educacional inclusivo. Ao remeter para as famílias um “suposto direito de escolha”, o Decreto reforça e induz uma política segregacionista, eximindo-se da responsabilidade de fazer os investimentos necessários no sistema público de educação, na escola regular, para o atendimento adequado às pessoas com deficiência, eliminando todas as barreiras relativas à acessibilidade e de processos pedagógicos inclusivos, de forma a colaborar com a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Além disso, no Decreto são criadas distorções entre os atendimentos de saúde e educação, em vez de reforçar o papel da escola como lugar de formação humana integral, de aprendizagem e desenvolvimento, de convivência com as diferenças e de construção de uma sociedade sem preconceitos ou exclusões de qualquer natureza. Os atendimentos terapêuticos e de saúde, necessários em alguns casos, não podem ser confundidos com atendimento educacional e não devem ser de responsabilidade da área educacional.

Considerando o papel dos Conselhos de Educação como órgãos de estado, a UNCME orienta estes Colegiados, para que viabilizem o devido diálogo em suas plenárias e junto à comunidade educacional, no sentido de esclarecer aspectos relacionados ao Decreto no. 10.502/2020, de 30 de setembro de 2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizagem ao Longo da Vida, que desconstrói a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, construída com ampla participação da sociedade, especialmente a partir das CONAE 2010 e 2014 e com impactos na aprovação do Plano Nacional de Educação e nos respectivos Planos Estaduais e Municipais de Educação.

Como órgãos a quem cumpre “guardar a legislação e zelar pelos interesses da coletividade”, cumpre aos Conselhos Municipais de Educação a atuação responsável, no âmbito de suas atribuições, na defesa e garantia de oferta da educação pública e de qualidade, na perspectiva da inclusão, aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, garantindo o direito constitucional da Educação, enquanto premissa fundamental e subjetiva. Compete, pois aos Conselhos Municipais de Educação, como órgãos de gestão democrática, de caráter normativo e propositivo, combater qualquer forma de retrocesso, de descumprimento legal e de prejuízos à sociedade quanto às suas garantias legais.

É fundamental, ainda, esclarecer à sociedade que as proposituras estabelecidas no Decreto em questão, além de ferir o arcabouço legal aqui exposto, conquistado pela sociedade brasileira em seu percurso histórico, também atinge a dignidade humana, uma vez que é na convivência com as diferenças, nas relações inter e intrapessoais que se constrói a possibilidade do desenvolvimento pleno do cidadão, mediado por processos educacionais verdadeiramente inclusivos. Assim, reportamos aos Conselhos de Educação a sua responsabilidade de contribuir com ações assertivas em prol de uma sociedade mais justa e igualitária e da garantia do direito à educação em seus respectivos sistemas de ensino.

Além das prerrogativas legais já citadas neste documento, importante aqui sinalizar alguns fundamentos essenciais da legislação, como por exemplo, o Art. 205, da CF de 1988 e o Artigo 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tratam respectivamente do Direito e do Dever de Educar, e da responsabilidade dos pais de matricularem os seus filhos na Rede Regular de Ensino. Tais prerrogativas, desconsideradas no Decreto, colocam os pais numa condição de desrespeito à legislação vigente, induzindo a consequências nefastas tanto para as pessoas com deficiências, quanto para a sociedade como um todo, que estará privada desta convivência com os diferentes e com as diferenças. Destaque-se que esta é uma privação que atinge a totalidade a sociedade e o destino da nação.

Necessário se faz lembrar, ainda, que a sociedade é constituída por humanos que através da convivência e da comunicação, das relações sociais, da interação com o meio, constrói a cultura, a vivência, os saberes. A quebra da oportunidade de convivência, fragmenta o ser social, rompe as estruturas e fortalece a segregação e a intolerância. Assim, é contra toda forma de segregação e exclusão, bem como contra qualquer retrocesso quanto às garantias constitucionais e legais já devidamente alcançadas pela sociedade brasileira que a UNCME tem lutado e orientado a atuação dos Conselhos Municipais de Educação. Nosso posicionamento parte do entendimento de que incluir significa antes de tudo perceber o outro, acolhê-lo, possibilitar e defender sua plena participação em todas as ações e espaços, zelar pelo seu desenvolvimento considerando sua individualidade e ao mesmo tempo sua universalidade, seja este outro quem for, pois trata-se de pessoas humanas, com direitos plenos, em toda sua inteireza. Portanto, incluir está longe de segregar – implica lidar com pessoas inteiras, pessoas únicas, tenham elas alguma deficiência ou não.

Aracaju, 07 de outubro de 2020.

Diretoria Nacional – UNCME